Afinal, o que é um público de arte?
A arte contemporânea põe em xeque, entre outras coisas, o próprio público da arte. Expressões, performances, ações efêmeras que acontecem nas ruas, no espaço urbano, ao meu ver, destinam-se ao público comum, ao cidadão comum que desfruta do espaço urbano, ou seja, a todos sem exceção.
Quando a proposta é interferir no cotidiano dos “outros”, seja de forma plástica no sentido mais romântico, no sentido conceitual da intervenção, seu público alvo é naturalmente o transeunte. Para assimilar a arte contemporânea é necessário também assimilar espaços e atitudes contemporâneas.
Com uma proposta clara de intervenção urbana, um grupo de designers, junta-mente com uma cooperativa de catadores, fez cinco tipos de faixas a exemplo de: Eu cato porque você não separa, ou, ainda, Você vem sempre aqui? Eu venho. Anuncie aqui, Adote uma carroça. Estas frases foram postas nas carroças dos catadores – cata-dores – e foram para as ruas a partir das cinco horas da tarde, horário normal da coleta. Mais uma vez a comunicação se fez presente, só que agora as palavras nem foram faladas nem caladas, foram lidas por todos dentro do silêncio de cada um, do que cata, do que separa, do que não separa, do que não cata. Catar, separar e reciclar tiveram ali um sentido bem maior. Quantas vezes o material reciclado voltará à mão do catador para nova reciclagem? Esse círculo vicioso terá fim? A cobra mordendo o seu próprio rabo – oruborus. Não vi como um trabalho engajado, muito menos assistencialista. Senti muito mais uma troca calorosa entre pessoas que pertencem àquele espaço urbano e, como tal, decidiram se unir para trocar experiências.
Daí cada profissional fez sua proposta de intervenção. O coletivo Pardiero me parece muito interessante, pois convive com um lugar onde a paisagem é o próprio pardiero e, dessa forma, possibilita fazerem ações pontuais, contando ainda com vários projetos que estão serão desenvolvidos após o SPA. O espaço expositivo deste grupo, sua galeria, é a rua ou o Bar da Laje. Um grupo com propostas provocativas, instigantes, mas com um sentido de plasticidade muito forte. Entre outros trabalhos eles pensam em interferir nos outdoors que marcam a imagética da cidade. A construção e a desconstrução são atitudes recorrentes desses artistas. Acredito que eles definiram seu espectador, sua galeria urbana, seu público de arte de forma mais permanente, apesar das ações efêmeras. Do meu ponto de vista, os três movimentos articulados por Clarissa Diniz, coletivo Duplicidades e coletivo Pardiero tomaram a palavra, sendo ela calada, dita e vendida ou em forma de faixas como ponto em comum e dessa forma conceitual fizeram, cada qual à sua maneira, sua poesia visual. Respondendo a provocação: afinal, o que é público de arte? A meu ver é todo aquele que se contamina com a idéia do artista. O mesmo acontece com os painéis e esculturas públicas espalhadas por toda a cidade.Não é indispensável ao público o conhecimento específico da arte para que ele se torne público da arte. Não devemos subestimar a sensibilidade do povo que reflete sua inteligência sempre que provocada.
POR AMÉLIA COUTO
http://www.canalcontemporaneo.art.br/quebra/archives/000535.htm
19 junho 2008
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